Tuesday, April 03, 2007

2 Série - EUA e América Latina (1870-1914)

Os fundamentos ideológicos da política externa americana:

A herança do calvinismo: EUA como a “Terra Prometida” (a “Nova Jerusalém”) e os americanos como o “povo eleito”, com um regime político e econômico superior ao do Velho Mundo – um modelo para a humanidade (democracia, liberdade individual, capitalismo, prosperidade econômica). Gerou dois impulsos contraditórios da política externa:

Isolacionismo e neutralidade: baseados na idéia da excepcionalidade dos EUA (suas idéias e instituições políticas eram únicas e não poderiam florescer em outras partes do mundo).

Internacionalismo e ativismo: baseados na idéia da missão sagrada e civilizadora dos EUA (propagar seu sistema político e econômico pelo mundo – o “evangelho da democracia”).

As bases da política externa americana para a América Latina:

Reduzir e restringir a influência da Europa na região e estabelecer a hegemonia americana: ideal de liderança política no Hemisfério Ocidental (as Américas), alicerçada na superioridade econômica e militar e fundamentada na Doutrina Monroe.

Fase da expansão territorial dos EUA na América (1800-1870): compra da Louisiana (França), da Flórida (Espanha) e do Alasca (Rússia), anexação do Texas e do norte do México (oficialmente comprado), legitimadas pela ideologia do Destino Manifesto.

Fase do império comercial dos EUA na América (1870 em diante): criação de uma “esfera de interesses” no continente por meio de relações econômicas e políticas visando a hegemonia. Razões dos EUA desistirem de novas conquistas territoriais (exceção Porto Rico, Havaí e Samoa e parte do Panamá): (I) países latino-americanos densamente povoados e impróprios para a imigração anglo-saxônica (racismo, preconceito cultural); (II) ênfase nas vantagens comerciais em lugar das aquisições territoriais; (III) impérios coloniais custavam caro em termos administrativos e militares.

Obstáculos para a hegemonia dos EUA na América Latina em 1870-1914: (I) domínio colonial europeu no Caribe; (II) visão preconceituosa da América Latina (inferioridade racial, cultura retrógrada de base católica e de tradições ibéricas autoritárias e burocráticas, clima tropical desestimulando o trabalho e o esforço pessoal).

Estratégias dos EUA na América Latina em 1870-1914: (I) desafiar e afastar o poder europeu do Caribe; (II) aproximar-se dos países latino-americanos por meio da ideologia da solidariedade hemisférica e do pan-americanismo (cooperação, aliança e integração dos países americanos); (III) intervenções militares e protetorados no Caribe, América Central e México para assegurar os interesses americanos. Essas intervenções foram feitas até a década de 1930 e implicavam no controle e regularização das finanças públicas caóticas e no estabelecimento de eleições presidenciais, favorecendo as oligarquias aliadas dos EUA.

A Guerra Hispano-Americana (1898)

No final do século XIX, a Espanha era uma potência decadente que possuía como principais colônias Cuba e Porto Rico, no Caribe, as Filipinas no Extremo Oriente e Guam no Pacífico. Todos esses territórios eram alvos das ambições dos grupos imperialistas americanos que, entre outros argumentos, baseavam-se na idéia do Destino Manifesto – o direito e a inevitabilidade histórica dos EUA à expansão pela América e Pacífico. Cuba, em especial, recebera muitos investimentos dos EUA nos setores açucareiro e de serviços. Por esse motivo, e devido à proximidade geográfica da Flórida, ela era vista por muitos americanos (e cubanos) como um país de destacada importância estratégica e econômica que deveria ficar sob o controle formal ou informal dos americanos. Quando os cubanos pegaram em armas contra a dominação espanhola na Guerra da Independência Cubana (1895-1898), as relações dos EUA com a Espanha deterioram rapidamente. Os interesses americanos estavam sendo prejudicados pela violência do conflito e muitos cobraram do presidente William McKinley (1897-1901) a aplicação da Doutrina Monroe contra a Espanha. A misteriosa explosão do encouraçado americano Maine, ancorado no porto de Havana (fevereiro 1898), matando 260 tripulantes, agravou a crise entre os dois países. A opinião pública americana, instigada pela imprensa e pelos grupos imperialistas, acusou os espanhóis de serem os responsáveis pelo fato. Em abril de 1898 os EUA reconheceram a independência de Cuba (e com a Emenda Teller afirmaram que não tinham interesse em anexar a ilha) e entraram em guerra com a Espanha. Rapidamente os EUA venceram a Guerra Hispano-Americana (abril-julho 1898) – ”uma pequena esplêndida guerra”, segundo o Secretário de Estado John Hay – e tomaram dos espanhóis as Filipinas, Guam e Porto Rico. Cuba ficou independente mas com sua soberania limitada de tal maneira que, na prática, ela virou um protetorado ou semi-colônia dos EUA. Pela Emenda Platt (1901) à constituição cubana, imposta pelos americanos, Cuba não podia assinar tratados ou fazer concessões a outros países sem a autorização dos EUA. Além disso, os americanos tinham o direito de intervir na ilha para manter a lei e a ordem. Os EUA também adquiriram uma base militar em Guantánamo. A Emenda foi revogada em 1934, mas a base militar continua até hoje sob controle americano.

O Big Stick

O imperialismo americano ganhou outro impulso no governo de Theodore Roosevelt (1901-1909), que adotou adaptou a Doutrina Monroe com o Corolário Roosevelt, apelidado de Política do Big Stick ou Grande Porrete – o direito de intervenção dos EUA na América Latina para garantir a estabilidade e proteger os interesses americanos. Ele tentou romper com a tradicional política externa de isolacionismo americano e ampliou a marinha de guerra do país, com o objetivo de dominar o Pacífico e o Caribe. A sua ação mais famosa foi a intervenção no Panamá (1903), país que era parte da Colômbia. No final do século XIX, os franceses foram autorizados a construir um canal no Panamá ligando o Pacífico ao Atlântico, encurtando a navegação entre os dois oceanos. O empreendimento francês fracassou (milhares de operários morreram de malária e febre amarela tentando construí-lo) e, em 1903, Roosevelt fez um acordo com a Colômbia para concluir a obra, em troca do direito dos americanos controlarem o canal por meio de um pagamento anual de arrendamento. Contudo, o Senado colombiano rejeitou o tratado. Quando os panamenhos revoltaram-se contra a Colômbia desejando a independência, Roosevelt imediatamente apoiou o movimento, enviando navios e fuzileiros navais que impediram os colombianos de reprimirem a revolução separatista. O Panamá ficou independente e assinou com os EUA o tratado para a construção do canal, feita em 1907-1914, garantindo o seu controle pelos americanos, e das terras adjacentes (a Zona do Canal), em troca de um arrendamento perpétuo. No entanto, o crescimento da hostilidade popular panamenha, de base nacionalista e anti-americana, na segunda metade do século XX, levou os EUA a reverem os termos do tratado. Em 2000 o controle do canal passou para o Panamá.

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